domingo, 31 de janeiro de 2010

LAGOA ITAPEVA (Extremo Norte)





Remar na lagoa Itapeva era um desejo antigo e significava muito mais que o prazer da canoagem.
Era a vontade de navegar pelas águas que navegou meu avô com canoas cavadas na madeira feitas por ele mesmo. Troncos de árvores que ele escolhia nos matos e, de lá mesmo, descia os morros depois de dois ou três dias embrenhado, com uma canoa novinha. Não era índio mas, tinha habilidades no falquejo da madeira, na pesca e caça. Minha avó e minha mãe diziam prá lida da roça não era tão ardoroso. Quando viam que ele sumia, ele havia descido para a lagoa e podiam esperar que a pesca era garantida.

Minha mãe conta 88 primaveras e, em maio, completará mais uma. Assim esse relato vai se posicionar no tempo cerca de um século atrás, pois minha mãe era filha mais nova de um total de quatro filhos.

O cenário da lagoa Itapeva era bem diferente do que se conhece hoje depois de cem anos de mudanças. A vida era bastante rude e a natureza ainda era bastante exuberante. Tudo que se tinha era tirado da terra e, para isso, as roças avançavam nas encostas dos morros transformando tudo em lavouras, principalmente de cultivo de bananas. Nas águas da lagoa tinha muito peixe e muitos animais que habitavam suas várzeas ao pé dos morros. Era uma região de muita caça que, infelizmente, foi exterminada junto como a Mata Atlântica.

Minha mãe havia mudado para Porto Alegre e certa vez fomos, eu e minha irmã ainda bebezinha, com minha mãe visitar nossos avós numa viagem de ônibus. A estrada é a que hoje chamamos de BR 101 que serpenteia a lagoa e era coberta de saibro. Quando um carro passava levantava uma nuvem de poeira. Mas, em um trecho próximo a Maquiné, lembro bem, que o ônibus ficou preso em um barral e todos tiveram que descer. Quem podia ajudou a empurrar o ônibus. Coisas de antigamente.

De uma outra visita, trouxe a promessa de meu avô de fazer uma tarrafa para eu pescar. Tudo que tinha de fazer era mandar-lhe bobinas de barbante marca Urso, que se usava naquela época . Depois é que apareceu o fio de nylon. Assim fizemos, mas, cada vez era um problema ter alguém que levasse o barbante. O tempo passou, e, não entendi bem, mas ele me mandou a tarrafa inacabada, talvez, porque não tinha recebido mais as bobinas que faltavam. Logo depois ele veio a falecer.

Hoje, enquanto dirigia pela estrada do Mar e me aproximava de Torres, avistava na direção dos morros, nuvens escuras despejando chuva. Segui até o local combinado e de lá percebi que a escuridão de chuva descia mais para o sul. Ali esperava a turma dos Brothers enquanto fazia um lanche.

A remada que pretendia fazer pelo extremo norte da lagoa Itapeva já estava com um ar de "encontro com o passado" quando entrou em cena uma figura pouco comum. Chegou em uma bike amarela um cidadão magro, com cabeça raspada menos no coco onde subia uma trança de cabelos compridos, enrolada, formando um cóqui. Na ponta do queixo um minúsculo cavanhaque, mas, com os pelos compridos. Era um sujeito miudinho, magrinho e cabelos brancos que deveria estar chegando nos cinquenta e tantos anos. Disse que vinha ali na beira da água apreciar a vista, aliviar os stresses, além de fumar um "cigarrinho" que, tirando do fundo maço já foi acendendo. Começou assim, falando bastante, contando que era chefe de cozinha mas, que atualmente, havia se afastado do emprego para cuidar de um familiar de idade avançada e cadeirante.

Eu perguntei a ele sobre alguns nomes de família e lhe falei que tinha descendência daquela região. Ao perguntar-lhe de qual família ele era, eu ri sozinho quando ele respondeu que não tinha nada a ver com a minha.

E como ele não parava de falar , acabou contando sobre dois navios de ouro que esperava encontrar um dia. Quando me dei por conta, aquela essa história tomava forma de um filme de aventuras ou, de mistérios macabros.

Ele - porque não fiquei sabendo o nome - falou-me de uma maldição que protegia o tesouro. Que foi alertado por um espírito que revelou-se a ele por ele ser praticante de batuque. É que seu pai e ele haviam encontrado cabeças com escritas que indicavam a existência de dois navios com ouro na lagoa. Caso prosseguisse na procura desse tesouro morreria. O pai e uma irmã haviam morrido por violarem as cabeças e mais uma terceira pessoa. Assim, alertado sobre a maldição, ele espera que mais quatro pessoas morram para ele poder resgatar essa fortuna. Acho que foi daí que ele resolveu deixar o emprego que ganhava muito dinheiro para receber bem menos cuidando de uma pessoa idosa.

Nesse momento chegaram o Fernando e o Vinícius para a remada e o tal sujeito foi apagando e guardando o restinho do cigarrinho no masso e foi-se embora. Fernando por ter cruzado com ele perguntou-me quem era. Eu respondi que ele só veio fumar um cigarrinho na beira da lagoa.

- Então é mesmo o Raul Seixas, completou Fernando.
- Não sei porque ele queria saber se tu eras da polícia, eu disse.

De volta ao mundo da canoagem, Fernando, que é um dos Brother, disse não saber que eu estaria remando com eles e que só veio para lagoa porque não quis remar novamente no rio Mampituba, para onde os Brothers foram. Por falta de transporte dos caiaques, eles mudaram os planos. E eu esperando na lagoa...

Fernando trouxe um amigo para remar - Vinícius - e assim, nossos três caiaques foram para a lagoa.

A remada na lagoa Itapeva aconteceu mesmo com a mudança de planos dos amigos. Eu havia acordado indisposto e mesmo assim viajei. A chuva foi para longe. Logo que comecei remar fui melhorando. O caiaque do Fernando fazia água e ele nem usava colete. Quando teve de ir para costa esvaziar estava longe e por isso passou preocupação. Mas, deu tudo certo e ele se concientizou do risco. Numa aportagem em uma prainha particular conhecemos um casal de novos amigos que ficaram encantados com nossos caiaques, nossa canoagem e ainda pude fazer algumas fotos para ilustrar o relato de nossa pequena aventura. Parecia que uma canoa de madeira cavada estava navegando pelas águas da Lagoa Itapeva .

Valeu parceiros.


Chagada ao local marcado para a remada com nuvens escuras indo para o sul.

Ponta do trapiche abandonado.

Três caiaques na Itapeva: Fernando e Vinícius.

Ponta da pedra na prainha que aportamos.

O caiaqueveio observando as nuvens, ou, será lembrando uma canoa que navegava por ali?

Cuidado com a prainha dos amigos que conhecemos.

Retornando enquanto o sol se põem na lagoa Itapeva.


Mas ahhh caiaquevéio...

A popa do caiaque e o por do sol.

Fernando e Vinícius recolhendo o caiaque.

O último registro do por do sol no extremo norte da lagoa Itapeva.


Outros amigos estiveram comigo em pensamento. Espero que seus caiaques naveguem junto com o meu nas próximas remadas na lagoa Itapeva.

Um comentário:

  1. Belicimo relato Germano, pena que nao escreveu mais sobre as historias da Itapeva, essa Lenda do navio de ouro eu ja ouvi algo parecido, mas o fato se passava na lagoa do Horácio, na época da escravidao, alguns escravos em fuga, naufragaram um pequeno barco, e junto carregavam ouro, ja naveguei bastante no Horácio mas até hoje nao achei nada, quem sabe um dia heheheh, um abraçao Germano, precisamos remar juntos, até mais.

    Marcio(osório)

    ResponderExcluir